A fala de Lula e a crise que ele mesmo provocou

Mário Flávio - 25.10.2025 às 09:38h

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu, com uma única frase, provocar uma das maiores crises de seu terceiro mandato. Ao afirmar que traficantes são “vítimas dos usuários”, Lula desferiu um golpe inesperado na própria credibilidade e expôs, mais uma vez, a fragilidade de um governo que tenta equilibrar discurso político, responsabilidade social e coerência moral.

A declaração, feita na madrugada desta sexta-feira (24), soou não apenas equivocada, mas insensível diante da realidade brutal do tráfico de drogas no Brasil, onde comunidades inteiras são reféns da violência, jovens são aliciados e vidas são destruídas em uma engrenagem criminosa que há décadas desafia o Estado. Ao inverter a lógica e tratar traficantes como “vítimas”, o presidente abriu espaço para uma enxurrada de críticas, tanto da oposição quanto de aliados constrangidos.

Mesmo tentando se retratar, Lula não conseguiu conter o estrago. A fala caiu como uma bomba em um momento em que o governo vinha experimentando uma recuperação de popularidade, ancorada em programas sociais, retomada econômica e pacificação política. Agora, o Planalto se vê obrigado a lidar com um desgaste desnecessário, autoimposto e de difícil reversão.

Mais do que um deslize verbal, o episódio revela uma crise de narrativa: um governo que se esforça para demonstrar firmeza na segurança pública, mas cujo líder parece, em alguns momentos, descolado do senso comum da população. A tentativa de humanizar o problema das drogas — legítima em essência — acabou se transformando em um discurso confuso e perigoso, que relativiza a responsabilidade de quem lucra com o sofrimento alheio.

A fala de Lula enfraquece ministros da área social, coloca em xeque a atuação de sua equipe de comunicação e dá munição à oposição em um momento sensível, às vésperas de uma votação no Congresso sobre segurança e da discussão sobre segurança e políticas públicas. A crise, portanto, é mais do que simbólica: é política, moral e estratégica.

Em um país assolado pela violência do tráfico, dizer que traficantes são “vítimas” é não compreender a dimensão do problema — e, pior, desrespeitar quem sofre suas consequências. Lula ainda é, para muitos, um símbolo de esperança e transformação. Mas até símbolos têm limite. E o limite, desta vez, foi ultrapassado.