Em mais um capítulo nefasto e dantesco produzido pela Operação Lava Jato, o Presidente da República Michel Temer foi atingindo em cheio e sua permanência no cargo é colocada em xeque. A gravação realizada pelo dono da maior empresa de proteína animal do mundo, Joesley Batista, da JBS, implodiu o meio político.
O diálogo noticiado, primeiro, mostra a audácia do empresário em gravar um Presidente em sua residência, atitude comparável ao clássico da literatura mundial: a Ilíada, quando a astúcia de gregos levou um cavalo para Tróia, fazendo lembrar, ainda, o casamento vermelho de Games of Thrones. Em segundo plano, vê-se demonstrada cabalmente a conveniente omissão consentida do Presidente, quase paternal, que recebeu fora da agenda oficial, na calada da noite, o empresário que responde a inquéritos nas operações: Lava Jato, Operação Greenfield, FI-FGTS, Operação Carne Fraca, Operação Bullish e Operação Cui Bono?
Na gravação o Presidente Temer indicou o deputado Rodrigo Rocha Loures como intermediário para os assuntos do grupo JBS e J&F, dizendo ao seu inimigo íntimo:
– Fale com o Rodrigo.
O empresário pergunta ao Presidente o que pode ser conversado com o Deputado indicado:
– Posso falar tudo com ele?
Ao que o Presidente Temer responde:
– Tudo.
Logo após esse dialogo o deputado indicado pelo Presidente Temer aparece recebendo uma quantia de quinhentos mil reais.
Diante da narrativa construída entre o Presidente Temer e o empresário Joesley Batista, o governo, frágil em representatividade e apoio social e popular, vive sua via-cruzes, entre a luz e o fusco, como bem disse Machado de Assis na obra Dom Casmurro “aí é que nos despedimos de uma vez”.
O Presidente responde a inquérito perante o Supremo Tribunal Federal por “crime comum” no exercício do cargo, Ação de Impugnação da Chapa no TSE e tem vários pedidos de abertura de processos de impeachment protocolados junto a Câmara dos Deputados. Nesse mesmo contexto, a OAB Nacional elaborou um parecer pró-impeachment e ingressara com mais um pedido.
A regra geral estatuída pelo artigo 81 da Constituição, no seu parágrafo primeiro, estabelece que estando o mando presidencial em seus dois últimos anos as eleições serão indiretas, pelo Congresso Nacional, 30 dias após a abertura da última vaga, o que em regra ocorreria, caso o Presidente Temer deixe o cargo vago, por cassação, renúncia ou perda do mandado.
Quem assume?
Qual o rito?
Diretas já?
Essas são as questões que abordaremos de forma sucinta no presente articulado.
DO INQUÉRITO.
Foi determinado pelo Ministro Edson Fachin a abertura de inquérito para investigar o presidente Michel Temer, atendendo ao pedido de investigação feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para apurar em tese a prática dos crime de corrupção passiva, obstrução à investigação de organização criminosa e participação em organização criminosa
A Constituição Federal, em seu artigo 102, estabelece o chamado foro especial por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, desaguando na competência originária do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar “nas infrações penais comuns, o Presidente da República,bem como nos crimes de responsabilidade.
Tomando por base o histórico de morosidade do Supremo Tribunal Federal, a probabilidade do Inquérito virar processo, com posterior afastamento do cargo do Presidente, é quase nula. Em recente estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas intitulado – Supremo em Números – o tempo médio de tramitação de um inquérito é de 565 dias até o recebimento da denúncia. Caso a denúncia seja oferecida, deverá ser aprovada pela Câmara dos Deputados, que autorizará ou não seu o recebimento pelo Supremo Tribunal Federal, através do voto de dois terços (2/3) de seus membros (artigo. 86, da Constituição). Recebida a peça de acusação (denúncia), o Presidente será submetido a julgamento perante o STF. No curso do processo o Presidente da República ficará suspenso de suas funções por cento e oitenta (180) dias, assumindo o seu lugar o Presidente da Câmara dos Deputados. Decorrido o prazo sem o julgamento, o Presidente voltará a exercer as funções, devendo o processo continuar até a decisão final. Nessa modalidade de afastamento caso haja condenação, a eleição será realizada de forma indireta.
DA IMPUGNAÇÃO DA CHAPA E DAS ELEIÇÕES DIRETAS
Desde 2015 tramita no TSE pedido de impugnação da chapa Dilma/Temer, por uso de poder econômico, cujo julgamento ocorrerá no próximo dia 06 de junho. O Ministério Público Eleitoral se posicionou favoravelmente à cassação da chapa e pediu a inelegibilidade da ex-presidente Dilma Rousseff por oito anos. Em relação a Michel Temer o MP pede a perda do mandato.
Havendo a vacância do cargo de presidente no interstício do segundo biênio do mandato presidencial, a regra constitucional determina que as eleições sejam indiretas pelo Congresso Nacional.
Existe, porém, interpretação de que se a cassação decorrer da Justiça Eleitoral poderia haver eleições diretas, conforme texto introduzido pela Lei 13.165/2015 (Minirreforma Eleitoral) no artigo 224 do Código Eleitoral, que determina a realização de novas eleições na hipótese de perda de mandato decorrente de condenação pela Justiça Eleitoral, por decisão transitada em julgado. Acontece que essa hipótese (eleições diretas) é controversa e ainda aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal, em processo da Relatoria de Luiz Roberto Barroso.
Sobre o tema, o Supremo dará a última palavra, em caso de cassação da Chapa Dilma/Temer pelo TSE. Nasce, assim, a indagação hamletiana, eleições indiretas ou diretas, eis a questão.
Com relação ao projeto de emenda à Constituição, para modificar a regra de eleições indiretas para diretas, sua validade só poderia ocorrer para outra eleição, pois, de acordo como Artigo 16 da Constituição Federal qualquer regra sobre eleições só tem validade se for aprovada um ano antes do pleito.
DO PROCESSO DE IMPEACHMENT
O processo de impeachment ainda está muito arejado na memória de todos. Havendo prova de infrações político-administrativas, definidas em lei especial federal, cometidas durante o mandato presidencial, nos termos do artigo 85 da Constituição Federal, nasce a possibilidade de abertura de processo de impedimento, igual ao que ocorreu com a Presidente Dilma.
Aprovado o impeachment pelo Senado Federal, a eleição será indireta, podendo ser candidatos brasileiros natos com mais de 35 anos e, no mínimo, seis meses de filiação partidária, ficando de fora governadores, ministros, prefeitos e magistrados.
Esperamos que nossa combalida democracia saia mais fortalecida desses tristes episódios, respeitando a Constituição, as leis e as instituições.
*João Américo Rodrigues de Freitas
Advogado. Consultor Jurídico da Câmara de Vereadores de Caruaru.