No primeiro dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), a oposição ao governo Lula mostrou organização e força política, tomando ações coordenadas que desafiam o Palácio do Planalto. Em sequência, três movimentos-chave sacudiram Brasília: o rompimento de aliados com o governo, a articulação de um projeto de anistia que pode beneficiar Bolsonaro e a aprovação, no Senado, de mudanças na Lei da Ficha Limpa. Juntos, esses episódios sinalizam uma ofensiva oposicionista justamente enquanto Bolsonaro enfrenta a Justiça – um recado claro de que, no campo político, os adversários de Lula não ficarão passivos.
União Brasil e PP desembarcam do governo Lula
A federação “União Progressista” uniu oficialmente os dois partidos e agora decide romper com o governo Lula. Formada por União Brasil (UB) e Progressistas (PP), essa federação anunciou que orientaria todos os seus filiados a deixarem os cargos e apoios ao governo Lula . A decisão coincidiu com o início do julgamento de Bolsonaro, criando um fato político de alto impacto no mesmo dia em que o ex-presidente se via no banco dos réus. Com isso, ministros indicados por esses partidos – como André Fufuca (Esporte) e Celso Sabino (Turismo) – passaram a ter sua permanência nos cargos questionada, abrindo potencial crise na Esplanada. “Essa decisão representa um gesto de clareza e coerência”, declarou Antonio Rueda, presidente do União Brasil, ao oficializar a ruptura. Ciro Nogueira, líder do PP e ex-ministro de Bolsonaro, também endossou o movimento. O recado ao Planalto foi direto: se o governo petista exigia lealdade, esses aliados preferiram pular fora do barco, enfraquecendo a base governista num momento delicado.
Pressão por anistia aos aliados de Bolsonaro na Câmara
Deputados da oposição, como Zucco e Caroline de Toni cobram que o presidente da Câmara honre o compromisso de votar a anistia. Parlamentares bolsonaristas articulam essa pauta como resposta ao julgamento no STF.
Paralelamente, na Câmara dos Deputados, a oposição intensificou a pressão para votar um projeto de anistia relacionado aos atos de 8 de janeiro. Líderes oposicionistas cobraram que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), cumpra a palavra empenhada e coloque em pauta a anistia aos envolvidos nos ataques de 8/1. Esse tema foi levado pelos oposicionistas à reunião de líderes justamente na terça-feira, na tentativa de incluir a proposta na agenda de votações da semana. Deputados como Luciano Zucco (PL-RS), líder da oposição, afirmam que “chegou a hora” de Hugo Motta honrar o compromisso de votação. “Um homem tem palavra… A gente acredita que chegou a hora de ele cumprir a palavra”, disse Zucco, referindo-se à promessa de pautar a anistia . Nas palavras da oposição, conceder essa anistia seria uma forma de “pacificar o país” após as tensões políticas recentes  – embora críticos apontem que tal medida, ao perdoar bolsonaristas, beneficiaria diretamente Bolsonaro e seus aliados. Em sintonia com essa estratégia, parlamentares bolsonaristas minimizaram o julgamento em curso no STF, chamando-o de “teatro com jogo combinado” e conclamando protestos populares no feriado de 7 de Setembro. Ao articular a anistia no Legislativo, a oposição marca posição contra o governo Lula e busca blindar Bolsonaro, caso ele seja condenado no tribunal.
Senado enfraquece a Lei da Ficha Limpa com apoio de Alcolumbre
Enquanto isso, no Senado Federal, outra frente avançou: a flexibilização da Lei da Ficha Limpa, legislação que impede políticos condenados de disputarem eleições. Em votação realizada também na terça (2/9), os senadores aprovaram por 50 votos a 24 o Projeto de Lei Complementar nº 192/2023, que altera a contagem do prazo de inelegibilidade previsto na Ficha Limpa. Na prática, a mudança unifica os prazos de inelegibilidade em oito anos a partir do fato gerador da condenação, em vez de contar após o cumprimento da pena – o que encurta o período de afastamento eleitoral para muitos condenados. A medida foi vista como um abrandamento das regras atuais (“fragiliza a Lei da Ficha Limpa”, destacou a imprensa) e pode beneficiar políticos veteranos barrados pela lei, como o ex-governador do DF José Roberto Arruda e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, ambos potencialmente aptos a concorrer já em 2026. Um detalhe simbólico marcou a sessão: Davi Alcolumbre (União-AP), que presidia os trabalhos, deixou a cadeira de presidente para poder votar a favor do projeto, tamanha era a importância dada ao resultado . “A inelegibilidade não pode ser eterna… Meu voto é sim”, declarou Alcolumbre, ao reforçar sua defesa da “modernização” da lei . A aprovação dessa mudança – em terceira tentativa de votação na mesma semana – acendeu o alerta no governo e em setores da sociedade civil, que temem retrocessos no combate à corrupção eleitoral. Em conjunto com a possível anistia em discussão na Câmara, essa flexibilização das regras eleitorais indica uma ofensiva coordenada do bloco bolsonarista para reabrir caminhos políticos a aliados historicamente ficha-suja.
Articulação de Tarcísio impulsiona a “pauta da anistia”
Nos bastidores, apoiadores de Bolsonaro em cargos executivos também jogaram peso político a favor dessas iniciativas. Líderes partidários revelaram que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) – ex-ministro de Bolsonaro e nome emergente da direita – atuou intensamente para destravar o projeto de anistia na Câmara, aumentando a pressão sobre Hugo Motta. Tarcísio teria passado o fim de semana em ligações e negociações, chegando a telefonar pessoalmente para o presidente da Câmara e outros líderes em Brasília, com o objetivo de garantir maioria para pautar a matéria no plenário. Essa articulação surtiu efeito: na reunião de líderes do dia 2, Motta indicou já haver apoio suficiente para levar o tema a voto . “Cresceu esse movimento com a presença do governador de São Paulo em Brasília, de colocar em discussão a anistia para depois do julgamento [no STF]”, confirmou Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do governo Lula na Câmara . Para Lindbergh, discutir anistia neste momento é um “grave erro” – ele chegou a classificar a manobra como o “golpe da anistia” articulado por Tarcísio e aliados bolsonaristas para salvar Bolsonaro caso venha a ser condenado. Do ponto de vista governista, portanto, a oposição utiliza o Congresso como contrapeso ao STF, preparando uma espécie de “plano B” legislativo para beneficiar Bolsonaro e sua base política.
Em um só dia, Bolsonaro se viu sob julgamento no STF e, simultaneamente, amparado por movimentos políticos de seus aliados. A saída coordenada de União Brasil e PP do governo expôs a vulnerabilidade da base de Lula; a pressão por uma anistia ampla abriu caminho para neutralizar os efeitos de eventuais condenações judiciais; e a alteração da Lei da Ficha Limpa, com aval de Alcolumbre, lançou questionamentos sobre o compromisso do Congresso com a moralização da política. Essa série de ações orquestradas marcou território para a oposição: deixou claro que, enquanto Lula defende seu governo e as instituições legitimam a responsabilização de Bolsonaro, o bloco bolsonarista usará sua força no Parlamento para proteger seus interesses. Trata-se de um embate em duas frentes – jurídica e política – que escancara a polarização persistente no país. No tabuleiro do poder brasileiro, o recado do dia foi ruidoso: se Bolsonaro enfrenta seus juízes, Lula enfrenta um Congresso parcialmente rebelde. E a batalha entre governo e oposição, longe de arrefecer, ganha novos contornos à medida que 2026 se aproxima, mesclando julgamento e jogo político numa disputa pelo futuro da democracia brasileira. A conferir.

