Opinião – “A fome é uma escolha política”: quando o discurso não encontra os números – por Oscar Mariano*

Mário Flávio - 15.10.2025 às 12:08h

Entre promessas e contradições, o Brasil ainda convive com milhões de lares marcados pela fome. Quando o presidente Lula afirma que “a fome é uma escolha política”, ele acerta na essência, mas erra ao ignorar que essa escolha também passa, e muito, pelas decisões de seus próprios governos. Se a fome é, de fato, uma questão de vontade política, o Brasil ainda convive com milhões de lares escolhidos pelo esquecimento.

O governo federal anunciou que 13 milhões de pessoas deixaram de passar fome. É um avanço inegável, fruto de políticas de transferência de renda e de programas como o Bolsa Família e o PAA. Sim, houve progresso, mas há um porém: existem aproximadamente 20 milhões de brasileiros com dificuldade de garantir o que comer todos os dias.

É nesse ponto que o discurso de Lula se contradiz. Se a fome é uma escolha política, como explicar a permanência de tamanha vulnerabilidade social em um país que bate recordes de arrecadação, gasta bilhões com emendas parlamentares e mantém privilégios fiscais a setores que pouco contribuem para o bem-estar coletivo? A escolha política continua sendo feita, só que não a favor dos que passam fome.

As desigualdades regionais permanecem gritantes, onde as regiões Norte (37,7%) e Nordeste (34,8%) concentram a maior parte dos lares em insegurança alimentar, especialmente os chefiados por mulheres e pessoas negras. A falta de investimentos estruturantes em agricultura familiar, armazenamento, transporte e distribuição de alimentos revela um país que continua tratando a fome como pauta emergencial e não como política de Estado.

A verdade é dura: A fome é política porque a desigualdade também é!

E, em muitos casos, o poder público prefere o brilho do discurso à dureza da solução real. Reajustar o Bolsa Família é um passo necessário, mas está longe de ser suficiente. A fome só deixará de ser “escolha política”, quando o governo decidir enfrentar suas causas profundas, reformando a estrutura que a sustenta, combatendo o desperdício, ampliando o acesso à terra, fortalecendo a produção local e promovendo emprego e renda dignos. Enquanto as ações se limitarem a paliativos, a fome continuará sendo o resultado direto de prioridades invertidas.

Ao afirmar que “a fome é uma escolha política”, Lula faz um aceno moral, mas ignora o espelho político que essa frase reflete. Se a fome é uma escolha, então o governo precisa assumir que também tem escolhido conviver com ela, entre orçamentos inchados por privilégios, obras inacabadas e prioridades trocadas.

A fome não é inevitável. Ela é consequência direta de políticas parciais, decisões adiadas e de uma máquina pública que ainda trata o pobre como número, não como cidadão ou, pior, como instrumento eleitoral a cada quatro anos.

E é justamente por isso que ganha ainda mais peso a promessa feita por Lula em 2003 e repetida agora, em seu terceiro mandato: “Se, ao final de meu mandato, cada brasileiro puder se alimentar três vezes ao dia, terei realizado a missão da minha vida.” Lula, 2003… Lula, 2025.
Duas décadas se passaram, e a mesma frase continua atual. Se a meta ainda precisa ser reafirmada vinte anos depois, é porque algo, claramente, está errado.