Nelson Rodrigues criou o personagem “Sobrenatural Almeida” com a intenção de explicar os lances e vitórias improváveis que ocorriam no futebol. Se um time menor vencia um tecnicamente superior, ou aquele gol que apesar do improvável teimava em entrar, era obra do “Sobrenatural de Almeida”. Podemos dizer que, com os eventos recentes na política nacional, o “Sobrenatural de Almeida” saiu das quatro linhas e se sentou em cima das urnas, tais a gama de fatos improváveis que alteraram a corrida eleitoral.
A eleição de 2014 transcorria sobre o signo da apatia, com a candidata da situação, Dilma Roussef, tendo que lidar com o desgaste de 12 anos de gestão e o anseio de reformas mais profundas na sociedade, desejo de cerca de 70% do eleitorado.
Porém esse desejo de mudança não havia sido capitaneado pela oposição, o que explicava os elevados índices de indecisos, e que desejavam anular o voto.
Afinal esse desejo de mudança possui um condicionante, um pequeno detalhe: Querem mudanças na forma como a governabilidade é montada, com o fim do fisiologismo, também querem maior zelo e eficiência na administração da coisa pública, mas também pleiteiam a manutenção das políticas públicas que diminuam as desigualdades sociais e regionais existentes.
Esse pequeno senão explica o porquê dos candidatos da oposição não terem deslanchado até agora. Aécio não conseguiu dissociar-se do liberalismo econômico da era FHC, sendo associado ao fim das políticas de desenvolvimento social. Já Eduardo, apesar do discurso revolucionário da nova política e de sua aliança com Marina Silva, não convencia o eleitorado escolarizado e de maior renda, que não sentia convicção em sua fala.
As contradições da sua gestão em Pernambuco passavam o recibo que a sua plataforma era mais um produto do marketing do que um real compromisso com as mudanças almejadas. Isso explica o motivo da liderança de Dilma, apesar do desgaste. Um comentário frequente era que com uma oposição fraca como essa, a reeleição de Dilma estaria garantida. Ambos os presidenciáveis, Eduardo e Aécio, estavam mais interessados em obter recall para 2018, quando apostavam que o ciclo do PT estaria plenamente esgotado.
Para eles, a vitória em 2014 só seria da oposição mediante um caos da economia ou um escândalo político de grandes proporções. Contundo numa ironia trágica do destino. Eduardo Campos, que vinha patinando abaixo dos dois dígitos da intenção de voto, falece e é substituído pela sua vice, Marina Silva. A hecatombe esperada ocorreu. Com Marina o resultado da eleição torna-se aberto, já que as estratégias e discursos montados foram desmanchados com esse novo cenário.
Para 2014, a candidata natural, talhada para essa eleição, era Marina Silva, vista como uma outsider do sistema político, e comprometida com a sustentabilidade social e a reformas sociais e políticas, tão prementes em nosso país. O discurso de Marina casa com o tom dessa disputa, afinal cada eleição tem o seu mote, o desejo coletivo aspirado pela maioria da população. O candidato que consegue plasmar em sua plataforma esse anseio social, cria um movimento, uma onda na sociedade que termina por arrastar os eleitores.
Foi assim com Collor em 1989, quando após a frustração com a morte de Tancredo Neves, o eleitorado nacional desejava um presidente jovem e saudável e firme com a corrupção do governo Sarney. Já em 1994, o anseio era por estabilidade política e econômica, vence FHC e com o mesmo mote é reeleito em 1998. Em 2002 e 2006 desejava-se uma olhar mais social, elege-se Lula, e em 2010 a continuidade deu o tom com a eleição de Dilma Roussef.
Passada a comoção com a morte de Eduardo, o desafio de Marina passa a ser convencer que ela não apenas joga bem, mas que também é capaz de vencer. Se ela será o tsunami que quebrará a polarização PT X PSDB, ou uma marolinha que acabará na praia.